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27 Jan

Por Renato Mello.

o homem de la mancha 7Ainda em minha incursão pela temporada paulistana, o espetáculo “O Homem de la Mancha” foi a escolha, óbvia sim, mas inevitável. Agravada pela convicção que não se fará presente nos palcos cariocas.

Para alguém mais desavisado com a intimidade dos meandros do teatro paulistano, assistir a “O Homem de la Mancha” pode se tornar uma tarefa árdua. Ao entrar no site do SESI não aparecem mais ingressos disponíveis para os próximos 30 dias. Cheguei ao teatro, localizado no prédio da FIESP na Av Paulista num domingo à tarde com 1 hora de antecedência ao início do espetáculo, conforme orientação que recebi. Ao pegar meu convite na bilheteria observei atrás de mim, uma fila enorme de pessoas que ficam aguardando as desistências na esperança de conseguir usufruir do espetáculo.

Escrito por Dale Wasserman, com música de Mitch Leigh e letras de Joe Darion, foi encenado pela primeira vez na Broadway em 1965 e ganhou naquele ano 5 prêmios Tony.  Sua primeira montagem em palcos brasileiros data de 1972 com direção de Flavio Rangel, cuja tradução dividiu com Paulo Pontes, músicas traduzidas por Chico Buarque e Ruy Guerra, tendo como protagonistas nomes da estatura de Paulo Autran, Bibi Ferreira e Dante Rui(depois substituído na temporada carioca por Grande Otelo).

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Paulo Autran, Bibi Ferreira e Grande Otelo na 1ª montagem de O Homem de La Mancha.

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Nessa atual adaptação Falabella contextualizou a obra num hospício da década de 30, procurando referências mais próximas da nossa cultura para essa saga, influenciado pela obra de Bispo do Rosário, tanto nos figurinos, quanto no cenário. A personificação do artista(que permaneceu 50 anos internado na colônia Juliano Moreira) se dá em cena através do personagem do Governador(Guilherme Santana). Essa associação foi um verdadeiro achado da inquietude e criatividade de Falabella e se encaixou com grande perfeição ao espírito do musical. No texto original, a peça se passa no período da inquisição espanhola, quando Miguel de Cervantes é aprisionado como herege e jogado num calabouço em companhia de ladrões e assassinos. O ponto em comum passa a ser a sua defesa para o julgamento realizado pelos companheiros de cela, em que passa a contar a história de Dom Quixote de La Mancha.

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O Homem de La Mancha” foi o grande vencedor do último prêmio APCA nas categorias de Melhor Espetáculo e Melhor Ator(Cleto Baccic). A sinopse do espetáculo, extraída do site do próprio SESI é a seguinte:

Um manicômio brasileiro no final dos anos 30. Um paciente é anunciado para internação. Apresenta-se como Miguel de Cervantes, poeta, ator de teatro e coletor de impostos. Chega na companhia de seu criado, Sancho.

Ele é abordado pelo Governador, louco que comanda os internos do hospital.  O grupo ataca seus pertences e lhe subtraem suas poucas posses. Cervantes se preocupa apenas com um manuscrito, que é arremessado entre eles.  Para dar a Cervantes a oportunidade de reaver seu manuscrito, o Governador instala um julgamento.

O Duque faz a acusação. Cervantes organiza sua defesa convidando os loucos a encenarem com ele uma peça de teatro.

É a história de D. Alonso Quijana, um velho fazendeiro aposentado, ávido leitor, desgostoso com os maus-tratos dos homens para com seus semelhantes. Melancólico com as injustiças do mundo e tomado pela loucura, imagina ser D. Quixote Senhor de La Mancha, um Cavaleiro Errante, atrás de aventuras que lhe permitam combater o mal, assistir os indefesos e praticar o bem.

De antemão informo que não nutro maiores entusiasmos por alguns dos mais recentes trabalhos de Miguel Falabella na função de diretor, como o musical “Alo Dolly!”, que considero bom, porém sem maiores brilhos e com a vaudeville “O Que o Mordomo viu”, que considero absolutamente dispensável em seu currículo. Porém “O Homem de la Mancha” é o resultado perfeito para calar a boca de seus críticos(como eu), pois trata-se de um trabalho de direção irretocável, do mais alto nível que o teatro musical brasileiro poderia ter oferecido. No currículo vastíssimo de Falabella inclui-se todos os tipos e gêneros que o teatro pode oferecer, mas se existe um trabalho específico que ele deverá ser lembrado por muitos anos esse será por “O Homem de la Mancha”. Uma das melhores montagens teatrais dos palcos brasileiros dos últimos anos.

Falabella criou um espetáculo de extremo dinamismo em cena com quase 40 artistas no mais alto grau de excelência artística, num ótimo trabalho de direção, em que o diretor arranca cenas de grande alcance emocional e em outros momentos de grande beleza visual.

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Cleto Baccic nos papeis de Miguel de Cervantes/D Quixote é merecedor de todos os elogios e prêmios que vem recebendo. Uma das mais belas atuações que me recordo de ter visto no teatro musical nacional. São de grande impacto o modo como o ator se transforma na frente de todos dos personagens Miguel de Cervantes para Dom Quixote e o retorno ao personagem inicial. Um ótimo trabalho expressão corporal e vocal por parte do ator. Um personagem que cativa pela sua índole, caráter e ética. O mais autêntico dos nobres, um cavaleiro de fato, mesmo sem uma sagração oficial.

Sara Sarres é Aldonza, ou pelos olhos de Dom Quixote, Dulcinéia. Prostituta maltratada pela vida e que apenas Quixote consegue enxergar uma dama no seu ser. Sara também tem grande desempenho, dona de uma técnica vocal absoluta e irretocável. Grande atriz, cantora excepcional. Nos traz em sua composição um sentimento de compaixão e começamos a ama-la através da alma pura do cavaleiro errante.

Jorge Maya é Sancho, o fiel escudeiro de Dom Quixote. Jorge tem uma atuação repleta de grande humor, talento e um tremendo carisma em cima do palco.

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O brilhante elenco se completa com: Governador(Guilherme Sant’anna), Duque(Carlos Capeletti), Cover Quixote/Emsemble(Fred Silveira), Antônia(Kiara Sasso), Padre(Ivan Parente), Criada(Ivanna Domenyco, Dr. Sansão/Carrasco(Frederico Reuter), Hospedeiro(Edgar Bustamante), Barbeiro(Arízio Magalhães), Cigana(Fabi Bang), Maria(Luciana Milano), Ensembles: Carol Isolani, Clarty Galvão, Ingrid Gaigher, Jana Amorim, Mariana Saraiva, Naomi Schölling, Ditto Leite, Elton Towersey, Felipe Guadanucci, Jessé Scarpellini, Johnny Camolese, Julio Mancini, Lázaro Menezes, Marcelo Góes, Pedro Arrais, Philipe Azevedo, Tiago Kaltenbacher, Tony Germano, Vandson Paiva, Ygor Zago, Dance Capitain(Anelita Gallo).

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A direção musical é assinada por Carlos Bauzys. Não há nada que dizer de seu trabalho que não sejam enormes superlativos. Existe uma preferência pelos metais, que acaba por dar uma sonoridade extremamente grandiosa, que encanta o público do primeiro ao último acorde. Arranjos de muito bom gosto e uma orquestra vibrante compostas por excelentes músicos.

Os figurinos de Claudio Tovar são belos e adequados a proposta. Um trabalho perfeito e realizado através de um enorme trabalho de pesquisa. Há inclusive elementos lúdicos e encanta por exemplo, como em segundos uma camisa de força se transforma num interessante adereço do figurino de um padre. Assim como cria vários outros figurinos que servem com perfeição para as diversas trocas de personagens.

Os cenógrafos importados da Broadway Matt Kinley e David Harris foram primeiramente muito sensíveis ao captarem a proposta inicial de Falabella, inserindo elementos nacionais e ligados ao universo de Bispo do Rosário inclusive. Mas sem perderem o foco central a essência da obra original. Cenários grandiosos, de muito gosto e com muita funcionalidade para as diversas situações impostas pelo texto.

A coreografia de Kátia Barros é de fundamental importância para o êxito completo do espetáculo. Grande trabalho de criação que fazem de Kátia quase que uma co-diretora do espetáculo. Mesmo em universos tão distintos, consegue impor uma marca e grande competência, seja numa dança cigana, seja numa hospedaria de 5ª categoria.

O conjunto de acertos em todos os diversos departamentos que compõem um musical tão grandioso, aliados com um excelente trabalho de adaptação e direção, com uma escolha acertadíssima de elenco, fazem de “O Homem de la Mancha”, um espetáculo que será referência no teatro musical brasileiro.

O Homem de la Mancha” é a prova que é possível sonhar sim.

 

Fonte: http://botequimcultural.com.br/critica-o-homem-de-la-mancha/